segunda-feira, outubro 23, 2006

MenteQueVives - Sonho no autocarro

Uma mota galopava pelo passeio com um capacete como condutor e uma saca a duplicar o motor. De uma porta em vidro saiu uma mulher entretida com a ideia de como havia de manter o novo penteado até ao dia seguinte. Dois homens cumprimentaram-se à moda antiga, boina ao ar, sorriso rasgado, mão comprometida e por perto, um miúdo de boné de lado ajeitou o leitor de mp3 no bolso e rapidamente apanhou uma chucha do chão.
Começou a chover. Por entre o som dos pingos sobressaiu um homem ao telemóvel que engelhou a cara, cobriu o aparelho com a outra mão e certamente terá ido procurar abrigo para continuar a conversa.
Já com o autocarro a abrandar ainda consegui perceber que no céu as nuvens pareciam querer fugir, e alguns raios de Sol quase rebentavam os meus olhos. Deixei-me ficar.
Fui o último a sair. Não porque fosse o que estava mais afastado da porta mas porque não acordei quando o autocarro parou. Quem me acordou de vez, foi um senhor de boina, que soube ainda quando comprava o bilhete, que vinha encontrar-se com os seus dois filhos. O mais velho já com dois descendentes, um com catorze, o outro ainda de berço. E a mais nova era dentista, mas segundo disse nem precisava sê-lo, porque casou com um empresário bem sucedido.
Só hoje de manhã percebi quem era o homem da mota, quando reparei em quem deixava o pão fresco à porta de casa. E tudo porque como sempre vinha de mota, mas desta vez sem o capacete. Cumprimentei-o pela primeira vez.

Miguel Alves

Sem comentários: