quarta-feira, dezembro 30, 2009

MenteQueSentes - Universo sem explicação

Não sei o que me dizer
quando sei que sou só
eu e o meu universo.
Não sei o que dizer
a quem sabe que o habita
tal como um satélite
mas que não partilha
com outros dois
a triangulção
dos meus caminhos.

Não sei.

Não sei.

quinta-feira, dezembro 10, 2009

MenteQueSentes - O nosso mundo também é redondo

Deu para perceber que era habitual ir aquele café.
Percebia-se isso pela maneira que não olhava as coisas.
Sentada no assento redondo da cadeira,
braços apoiados no tampo redondo da mesa,
lábios ansiando tocar a face redonda da chávena.
Redondo era também o sorriso.
Redondo era também o olhar.
Redondo era também o cheiro.
E redondo era o seu passado
que rebolava com ela sempre que abria aquela porta.

terça-feira, dezembro 01, 2009

MenteQueVives - Atrás dos faróis

A mochila e o saco a tiracolo pareciam pesar mais dos que os pensamentos. Cada passo dado, um pouco mais de conforto. Dia de semana, a escola toda metida na mochila e no saco, e o quarto à espera de o ver tirar a roupa e vestir os brinquedos. Que estariam em pausa desde o último mundo que criou.
Parou para atravessar a estrada, inundada de faróis de carros e frio. Um carro parou, outro parou ao lado e ele atravessou. Fê-lo como se já estivesse a contar para os trabalhos de casa.
Quando o deixei de ver lembrei-me do meu caminho para casa depois da escola. Só não me lembro do que levava na mochila e no saco, mas em muitas dessas viagens lembro-me de querer estar parado, atrás dos faróis.

quarta-feira, novembro 18, 2009

MenteQueVives - Porta de embarque

Deviam ser poucas as pessoas que não saiam dos lugares, temporariamente seus.
As janelas em vidro a percorrer metade das paredes da sala, tiravam fotografias aos estímulos de quem já queria estar lá fora, fazendo parte de um movimento perdido da Terra.
De jornais a revistas, de latas de sumo a telemóveis, tudo cabia na espera, ainda que não fazendo parte dessa mesma espera.
Até que uma voz, com um eco estrangeiro, pegava nas pernas de cada um dos presentes e fazia com que os agora estímulos de outras viagens, invertessem a espera e dessem espaço ao destino, antes de chegarem.

terça-feira, novembro 03, 2009

MenteQueVives - Rua com saída

Abriu a janela como se não visse a rua, à espera.
Alinhou o olhar com o horizonte. O mesmo que a perseguia desde a adolescência, umas vezes espremido pelo bafo do céu, outras mimado pelo brilho do mar. Era por ele que abria a janela.
Eu cá em baixo, continuava a ver uma rua impaciente. Ora parada, ora a saltar. Ora esforçada, ora vidrada.
E ela coninuava serena, a levar para casa uma janela e para a rua, uma saída.

quinta-feira, outubro 15, 2009

MenteQueVives - Viagem solitária (a dois)

No dia que regressasse a casa, iria perceber o título do filme que passara pela televisão
momentos antes de romper a monotonia, com uma viagem ao centro do umbigo dela.

sexta-feira, outubro 09, 2009

MenteQueSentes - Estado leve

É por ti que canto
o que não canto.
E enquanto o faço
é de ti
que saiem as coisas
que no príncipio
não são tudo
nem são nada.
Que pousadas em mim
nesse estado leve
partem para o mundo
levando-me atrás
em bicos dos pés.

quarta-feira, setembro 30, 2009

MenteQueVives - O homem que ninguém vê

Descubra as diferenças:

- Homem de meia idade. Cabelo ondulado grisalho. Óculos rectangulares com as lentes baças. Camisa ás riscas verticais, com a barriga a expulsá-la das calças e as costas a fazer o inverso. Sapatos limpos, mas o direito com o atilho solto. Simpático mas por não por mostrar um sorriso. Solteiro.

- Compra calças de ganga nos hipermercados. Sem dar nas vistas, foge de vendedores de cartões de crédito. Quando compra o jornal começa a lê-lo já depois de o ter deixado bem amachucado. Nas lojas não escolhe nada, porque bastou-lhe fazê-lo uma vez. Antes de sair de casa faz uma festa ao gato e depois de bater a porta, ajeita o tapete com o pé direito.

quarta-feira, setembro 16, 2009

MenteQueSentes - Luta

Juro que tenho tentado.
Tentado escrever palavras que me soltem
palavras que me levem até outro momento, que não seja só meu.
Tento e algo resiste.
Algo que por não ser menos belo decidi colocar aqui
em forma de quase nada.
Uma vez li que quando falta de inspiração também se deve escrever.
Por isso descrevo-a pela primeira vez assim.
Quem ainda não a leu neste texto
não espere lê-la, porque tal como a inspiração
tantas vezes dissimulada numa só palavra
a falta dela já se encontra marcada, algures atrás.

domingo, agosto 02, 2009

MenteQueSentes - Terraço dos sonhos

Se te contasse o meu sonho
talvez percebesses
porque tanto atiro a pedra mais longe do que tu
como a deixo cair, tal como a tua, bem perto da margem.
Talvez percebesses
porque tanto te levanto e deixo tocares o tecto da sala
como te mostro o quão longe ele fica de ti.
Talvez percebesses agora
mas não quero.
Prefiro contar-te tudo
quando a minha pedra permanecer seca
e o tecto da sala
for o terraço dos teus sonhos.

domingo, maio 17, 2009

MenteQueSentes - O início no fim da rua

Caminhava tentando pisar todas as pedras da calçada. Quando se cruza comigo uma voz: “O fim da crise só acontece com uma grande guerra ou uma ditadura!”. Apesar do chapéu de chuva ainda lhe vi o rosto, desafinado. E não percebi porque disse aquilo. A chuva caía igual para os dois, as pedras da calçada eram as mesmas, ambos segurávamos um chapéu de chuva, ainda que de Invernos diferentes. Seria pelos diferentes inícios da rua?
Também por aqui e aqui

quinta-feira, março 19, 2009

MenteQueSente - Laços

"Sweet dreams are made of this..."

Uma roupa à nascença
um colo que se preocupa
e que se senta
no chão
outrora um colo
outrora vestido à nascença.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

MenteQueSentes - B.I. Bio

Tenho um bocado de terra
que não sai da minha mão.
Ficou nas rugas
e por mais água que passe
não sai.
Por mais dor que sinta
ao rasparem
ela não sai.
Não sai
e enquanto for assim
não me preocupo
com quem sou.

sábado, fevereiro 14, 2009

MenteQueVives - Ritual do trapézio

Acreditava que para soltar o trapézio, lá em baixo, no meio da multidão, um rosto tinha de a fazer lembrar o primeiro dia que balançou. Tinha de rever o seu sorriso. Rasgado. Iluminado por uns olhos bem abertos e por preencher.
Em noite de espectáculo era sempre assim. A certeza dos aplausos entrava como um pé direito, pelo olhar de alguém ainda com esperança.
Era este imaginário que a deixava soltar um trapézio e agarrar o outro, como se fosse tudo um só gesto.

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quarta-feira, janeiro 21, 2009

MenteQueVives - Paredes infinitas

À noite deitava-se sempre de barriga para baixo. Tinha as paredes do quarto pintadas com cores dadas por alguém. Um poster atrás da porta que ninguém deu, poucos viram e muitos procuravam. No chão coisas apoiadas em pernas ou também deitadas de barriga para baixo. No tecto a certeza que tudo aquilo era visivel mesmo sem a luz do Sol. E tantas coisas a preencher o resto. Tantas coisas dela, que desistiu da ideia de comprar prateleiras ou armários. E não foi por recear não haverem suficientes, foi porque não queria que aquelas coisas ganhassem pó. Aquelas tantas coisas que quando de noite se deitava de barriga para baixo, voavam pela janela e ajudavam a esticar os sonhos até ao dia seguinte. Até ao momento em que lhe chegava outra cor para pintar mais um pedaço de parede.