segunda-feira, dezembro 22, 2008

MenteQueVives - Não é Natal enquanto espera

A minha avó a preparar filhós e o Natal à espera!

O frio a acender a lareira, a lareira a apagar outras famílias e o Natal à espera!

As luzes na árvore a piscar, não mais que a televisão e o Natal à espera!

O papel de embrulho a esconder o verdadeiro motivo da prenda e o Natal à espera!

É só mandar mais um e-mail... prometo!

terça-feira, novembro 11, 2008

MenteQueVives - O caminho da voz

Era de noite e a voz caminhava, ora negra ora sedutora. Levava do canto daquela sala, o sentimento de cada rosto. Uma taça de tinto juntava a pele á alma. O avental parava sem o silêncio e rebuscava nas palavras o nome de alguém. Talvez de um cliente. O destino de quem conhecia a voz ficava à distância de um fado. A sala estava cheia. Tão cheia, que o som atropelava vidas que os olhares não conseguiam guardar. E dali a voz caminhava, sobre o relevo de um mapa. Solto e á espera do mar.
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terça-feira, outubro 28, 2008

MenteQueVives - Encantado na contagem

Estava sentado na cadeira da varanda quando me lembrei de tentar contar velhos. Ver quantos velhos passavam na rua em frente à minha varanda.
Não demorou muito a passar um com uma boina nova e de blazer da cor da temperatura. Mancava da perna direita e pelos poucos gestos parecia sereno após anos de dedicação. Talvez em excesso.
Demorou a aparecer outro. Uma senhora. Cabelo estranhamente roxo ou estranhamente branco. Mexia na bolsa. Depois de passar percebi que retirava uma prenda. Pelo embrulho era para uma criança. Uma menina. De certeza que era para uma neta, senão tinha esperado até chegar ao destino para retirar a prenda da bolsa.
De imediato cruzaram-se com esta senhora, dois velhos. Lado a lado mas com destinos diferentes. O do lado da estrada mantinha os olhos fixos em qualquer coisa que naquele momento, nada mais era que não um falso objectivo. O outro olhava o chão, quando de repente levantou o olhar na minha direcção. Nada fiz. Mas pareceu que lhe havia tocado na face e rodado o rosto na direcção do outro velho. Percebi que pensava em alguma decisão em tempos mal tomada. Mal acabam de passar estes, vi que outro havia passado do lado de lá da estrada. Vestia um fato de treino e levava um saco do supermercado. Era dia de jogo. Final da taça. O passo apressado e o volume do saco não enganavam. Iria receber o filho para jantar e os dois iam comandar o jogo do sofá. Talvez o filho já o fosse acompanhar no pessimismo, sem que por isso o número de pulsações fosse menor do que em outros tempos.
Ainda tentava perceber se era o filho que se aproximava do velho quando ouvi chamarem-me para jantar. Percebi que não sabia contar... pessoas.

domingo, outubro 12, 2008

MenteQueVives - Branco sensível

A coluna já estava branca. Mas era a sua missão branquea-la ainda mais.
Um escadote, um rolo, um balde de tinta, um carro de supermercado e um par de óculos. Pessoas corriam de um lado para o outro, com malas a estender as suas personalidades. Não viam o artista. Viam uma coluna branca. Já de si branca.
Ele pintava, tocava com o rolo da tinta, pensava na hora de jantar e pintava.
Houve um homem na mesa do café que finalmente reparou no artista. Perguntou-lhe porque pintava de branco uma coluna já de si branca. O artista respondeu que estava a aplicar uma segunda demão e pensou na hora do jantar.
O homem do café já em sua casa, sozinho, foi rever a foto de fim de curso.

domingo, setembro 21, 2008

MenteQueVives - A tabuleta

Uma tabuleta tentava cirandar por cima da porta dos correiros. Presa a duas correntes, paralelas em tudo, aguentava o vento e o sol, a ânsia e o alívio, os passos e os silêncios. Tentava cirandar porque não tinha para onde ir. Tentava cirandar por queria dizer algo.
As letras que lhe calharam concordavam e pareciam querer dizer mais alguma coisa. Não cheguei a concluir.
Entrei. Saí.
Retive-me um pouco do outro lado da estrada, a ver a tabuleta tentar cirandar.
Segurei a carta com a outra mão que não aquela que a apertava quando entrei. Não enviei a carta.
A tabuleta tocou uma melodia com o riso das correntes. Pareceu-me.
Não enviei a carta e suavemente fui desligando a tabuleta. Pensando onde poderia ir eu, agora sim, cirandar.

quinta-feira, setembro 11, 2008

MenteQueVives - O caminho dos golfinhos

Gente, muita gente. A água a reflectir tudo, no brilho, na cor, na expectiva.
Gente, muita gente. E o brilho e a cor da água foram subitamente misturados. Desapareceu a expectaviva. E daquela gente, muita gente, sairam sonhos e viagens.
Os golfinhos não eram muitos, mas tocaram em cada coração daquela gente, muita gente. Sem ninguém esperar vez para que isso acontecesse.
Excepto duas meninas, que não esperaram sequer que fossem os golfinhos a tocar-lhes no coração. Sopraram os seus corações para eles. E a partir daquele momento, já não havia gente, muita gente. Sairam todos. Ficaram apenas as duas meninas, que recolhiam no colo, a água límpida que saltava do caminho dos golfinhos.
Vi uma das meninas misturar lágrimas dos seus dias felizes com aquela água. A outra guardava-a. Para soltá-la quando também soubesse o que é sorrir, com um coração cheio de dias felizes.

MenteQueVes - Procurar o nosso dia


domingo, agosto 17, 2008

MenteQueVives - O carrinho que escolhemos

O puto queria descer a rampa com o carrinho que recebeu este ano. Queria descer tal como tinha feito o ano passado, com o outro carrinho. Desta vez chovia, a erva ao meio era mais pequena, uma das casas tinha uma cor diferente, as pernas dele eram maiores.
Estava decidido, mais até que no ano passado. Apesar de ser a primeira vez que ia descer com aquele carrinho.
O fundo da rampa estava na mesma. Pequeno visto de cima, infinito quando se pisava. Com a confiança de quem evolui, deixou de tocar o chão com o pé e sentiu as costas aumentar. A meio da rampa já não se lembrava do carrinho do ano passado. E foi já parado com sucesso, que voltou a pensar nele, quando sentiu as feridas que tinha nos joelhos.
Porém demorou a perceber, que tinha escolhido o carrinho deste ano, ainda no ano passado.

terça-feira, agosto 05, 2008

MenteQueVives - Desejo tatuado

Não era proibido atirar pensamentos mar adentro. Podia-se sentar e pôr os pés em cima das rochas. Não havia problema em tirar do sítio as areias. Era permitido alimentar o animal que andava à solta dentro dela.
Para não ser reconhecida como adulta bastava-lhe tocar o céu, sempre que uma voz a chamava de uma velha janela destorcida.
Esperava que uma estrela cadente sorrisse ao som dessa voz, para poder tatuar o desejo na manhã seguinte.

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terça-feira, julho 08, 2008

MenteQueSentes - Primeiro brilho

Foi recolhida uma estrela.

Recebeu o brilho que lhe faltava

e não quer voltar a subir.

Não quer perder o céu que encontrou

numa história em que o Sol

anda de mão em mão.

segunda-feira, junho 30, 2008

MenteQueVives - Casa torta

Era a casa mais torta que alguma vez vi. Tinha tinta de um amarelo trocado, janelas e portas com esquadria só de manhã. Por cima o telhado queimado, a lembrar uma camisa por passar. Por baixo o chão que só se endireitava ao longe.
Em volta o jardim ria de tudo aquilo e acenava a cada pessoa que passava. Em especial uma flôr esbranquiçada que nessas alturas fingia até ter raiz na terra do vizinho.
Era a casa mais torta que alguma vez vi, mas pior era não reconhecer sequer uma casa, em pedaços de gente que se fizeram por ali.

terça-feira, junho 24, 2008

MenteQueSentes - ...o livro que eu não li

Anda por aí um livro
não tem nome
mas tem cheiro
e na página seguinte
tem sempre um rosto
que no fim
recolhe a história
e olha para mim.

segunda-feira, junho 16, 2008

MenteQueSentes - O nosso jogo

Quero jogar à bola
mas com vocês
que a bola não sorri
quando a chuto
entre um molho de pernas
que no final
não me vão ajudar
a levantar a taça
que ganhávamos
antes de cada jogo.

sábado, maio 17, 2008

MenteQueSentes - Idade dos muros

Acho melhor abrir uma folha em branco, poisar a tua fotografia na crosta que hoje me chateia. E esperar que no imediato haja sangue ansioso por celebrar dentro de mim, o facto de escrever numa folha A4 sem titulo e sem margens, sem furos e sem agrafos. Uma folha A4, eu, tu e uma névoa a encaminhar-nos para a idade dos muros.

domingo, maio 11, 2008

MenteQueVives - Vício interior

Pela maneira com que não olhava as coisas dava a entender que queria sempre chegar cedo. Não ligou aos jornais, aos poucos ignorou a televisão. Houve momentos que nem parecia estar com roupa.
E pela maneira com que olhava as pessoas dava a entender que queria sair tarde. Conversou, riu-se e sentou-se perto de alguém, e de outro alguém e de outro alguém e de outros. Durante as palavras triunfantes, tocava no ouvinte. Como uma pedra no charco, questionava se a bebida era do agrado do falante.
Tudo se tornou para mim claro, quando nos cruzámos na casa de banho. Vi-o ignorar o espelho e olhar o seu rosto. Olhava fixamente os seus próprios olhos. Que droga tomaria para ser tão viciado no que interessa aos outros, sem que os outros percebessem o interesse que tinha, naquilo que só interessava a ele?

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sexta-feira, abril 25, 2008

MenteQueVives - Lembrança que não fica na parede

O calendário dava motivo de conversa e na mesa a comida dava o sotaque que o vinho ajudava a desembaraçar. Nas paredes escorriam lembranças por relevos de sempre, sem contornarem os adereços de ocasião.
Ela escusava de se mexer para encontrar o ritmo da dança que todos guardavam, mas ninguém ouvia. Em cada fim da mesa, haviam vidas que valiam a pena contar antes de serem engolidas, tal como a mousse de chocolate, enfeitada para o momento.
Houve movimentos normais de uma refeição, mas houve outros que me levaram a uma varanda perto do mar, longe de mim.
Ela sorriu para o empregado que atordoado já não servia, limitava-se a ser parte do sorriso. No momento em que a primeira cadeira começou a arrefecer sem retorno, outras seguiram o processo. Ela não saiu e hoje a lembrança também escorre nos meus dias.

Miguel Alves

sexta-feira, abril 04, 2008

MenteQueSentes - Flôr da confiança

A Flôr sorri
porque sabe que de tarde
vai brilhar com o Sol
sem perder
a protecção da Montanha.

Miguel Alves

sábado, março 08, 2008

MenteQueSentes - A fé dos homens

Um homem constrói uma catedral

e alimenta a sua esperança

com aquilo que não projectou.

Outro constrói um barco

e navega nas àguas

que não encontra perto de casa.



Miguel Alves

quinta-feira, março 06, 2008

MenteQueSentes - Aniversário de um anjo

Hoje é o aniversário de um anjo. Não há prenda nem festa, não há bolo nem velas. Os anjos não precisam de nada disso. Os anjos, como este que hoje faz anos, só querem saber quantas vezes sorrimos. Mesmo hoje em que o sorriso dele é a fonte do próprio dia.

Miguel Alves

terça-feira, março 04, 2008

MenteQueVives - Terreno sem emprego

Podia naquele momento cair no meio da sala o anúncio de um país novo, sem governantes, sem povo, sem ideais nem superstições religiosas, um terreno no meio de outros terrenos, países velhos, com governantes, com povos, com ideais e superstições religiosas. Pelos olhares daquelas pessoas eu podia pôr as mãos no fogo, ainda que de um fósforo, que elas, todas juntas, iriam conseguir construir uma superpotência mundial.
Enquanto o fósforo ardesse eu iria acreditar naqueles olhares a espreitarem oportunidades por ordem alfabética e requisitos por ordem abstracta. Eu iria acreditar que todos iriam saber construir um império, pedra sobre pedra, rua a rua, cidade a cidade e até ao último metro de fronteira, tudo iria fazer sentido. Assim eu via naquelas caras todo esse empreendorismo acumulado.Pensava eu no nome que poderia ter esse país, quando olho a minha senha e reconheço os números que uma voz desumana havia moldado segundos antes. Porque eu quando ali entrei só pensava no fim do expediente da próxima sexta-feira, rapidamente me foi dado o que queria.
Assim que deixei a porta daquela sala, o fósforo apagou-se. Mas a vontade de procurar um pouco de terreno esquecido, reacendeu-se em mim.
Miguel Alves
também por aqui e aqui

sábado, fevereiro 16, 2008

MenteQueVives - À solta

Instrumentos a postos, corpo e alma a envolverem-se como um cocktail. Os olhos procuram as notas musicais perdidas no penteado do dragão de mil cabeças. Luzes, acção. Deixam de haver indivíduos, deixa de haver privacidade, deixa de haver amanhã, deixa de haver vocabulário, deixa de haver hesitação, deixa de haver uma ou outra lei. Um ciclone de som mistura tudo. Acelera, abranda, mantém o ritmo preso a cada coração. A luz assiste e diz que sim a tudo. Acena que sim tantas vezes que deixa de ter personalidade e mal se dá por ela. Três, dois, um. A hora não estava marcada mas o regresso sim. As portas dão lugar a braços. Braços imensos que empurram mas sorriem, cumplices.
Num outro momento tudo será lembrado, ainda que a repetição só seja possivel no sangue que cada um gravou.

Miguel Alves

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

MenteQueSentes - Nuvem

Enquanto dormias, eu era a nuvem que voava nos teus sonhos.
Quanto mais alto voava, mais queria ser a almofada do teu acordar.

Rita & Miguel

terça-feira, janeiro 22, 2008

MenteQueSentes - Crescente

Ri por um
Enquanto te vestes por dois
Manda cartas para três
Fá-las passar por quatro
Surpreende cinco vezes
Imagina seis reacções
Conta sete ondas
Fotografa oito marés
Olha para o relógio às nove
Abraça-te como se não existissem as dez.

Miguel Alves

sexta-feira, janeiro 11, 2008

MenteQueSentes - Partilha

O teu sorriso lindo
a certeza com que trabalho as palavras
e preparo a tua reacção
e o branco
que dividimos ao meio
uma metade para as tuas serpentinas
a outra para os meus espelhos.

Miguel Alves

sexta-feira, janeiro 04, 2008

MenteQueVives - Jardim caído

O jardim estava caído dentro da cidade. Nunca tinha saído daquele sítio, nunca tinha muito menos subido para espreitar o topo dos prédios, nunca tinha sido um qualquer gesto. Mas estava agora caído, e tudo nele estava caído também. As flores que em invernos como este não eram flores mas pelo menos sussurravam ao vento a vontade de o serem, os caminhos que tinham vários fins e que agora restavam-lhes o mesmo ínicio, os candeeiros que diminuiam a electricidade com o glamour das suas formas e que agora tinham nela o único motivo para lá estarem, o portão que tantas vezes viu prevenida a ferrugem já não sabia passar sem esta, sem a cumplicidade de quem chega sem anunciar, deixando-nos depois a vontade de não pensar num anúncio de despedida.
Hoje vi assim o meu jardim. Caído. Amanhã talvez esteja levantado, ou até hoje mesmo, mas por outros olhos.

Miguel Alves