terça-feira, outubro 28, 2008

MenteQueVives - Encantado na contagem

Estava sentado na cadeira da varanda quando me lembrei de tentar contar velhos. Ver quantos velhos passavam na rua em frente à minha varanda.
Não demorou muito a passar um com uma boina nova e de blazer da cor da temperatura. Mancava da perna direita e pelos poucos gestos parecia sereno após anos de dedicação. Talvez em excesso.
Demorou a aparecer outro. Uma senhora. Cabelo estranhamente roxo ou estranhamente branco. Mexia na bolsa. Depois de passar percebi que retirava uma prenda. Pelo embrulho era para uma criança. Uma menina. De certeza que era para uma neta, senão tinha esperado até chegar ao destino para retirar a prenda da bolsa.
De imediato cruzaram-se com esta senhora, dois velhos. Lado a lado mas com destinos diferentes. O do lado da estrada mantinha os olhos fixos em qualquer coisa que naquele momento, nada mais era que não um falso objectivo. O outro olhava o chão, quando de repente levantou o olhar na minha direcção. Nada fiz. Mas pareceu que lhe havia tocado na face e rodado o rosto na direcção do outro velho. Percebi que pensava em alguma decisão em tempos mal tomada. Mal acabam de passar estes, vi que outro havia passado do lado de lá da estrada. Vestia um fato de treino e levava um saco do supermercado. Era dia de jogo. Final da taça. O passo apressado e o volume do saco não enganavam. Iria receber o filho para jantar e os dois iam comandar o jogo do sofá. Talvez o filho já o fosse acompanhar no pessimismo, sem que por isso o número de pulsações fosse menor do que em outros tempos.
Ainda tentava perceber se era o filho que se aproximava do velho quando ouvi chamarem-me para jantar. Percebi que não sabia contar... pessoas.

2 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Sorri quando te vi chamar pessoas aos velhos...infelizmente nos nossos dias os velhos já não são pessoas, são apenas cargas às costas das famílias! Para mim e - constato agora - também para ti, os velhos são pedaços de História viva que não temos tempo para ler (alguem nos chama sempre para jantar, ou para trabalhar, etc.) e, mais do que isso, são repositórios de ternura; daquela ternura que não existe em mais lado nenhum, senão nos corações velhos e serenos, aqueles que sabem mesmo como amar...como os dos nossos avós :)
Adorei!