segunda-feira, setembro 25, 2006

MenteQueVives - Número

Agarrou no telefone e marcou o número que minutos antes não se lembrava ter.
Enquanto chamava a outra pessoa na linguagem das máquinas, coçava a cabeça com a mão livre. Gesto que imediatamente se transformou num leve pentear assim que do outro lado ouviu a voz feminina.
Não deixou entender se demorou a responder por não ter a certeza se era a voz certa ou por normal hesitação de quem tem de pedir e sabe que nunca vai poder retribuir.
Após o segundo “Estou?”, soltaram-se palavras já petrificadas pelo passar dos anos. Com a mão livre agora esquecida na face, tentou, tentou, tentou. Em vão. Não foi correspondido pelo número que minutos antes estava perdido na sua memória. Número que nem fazia parte da agenda electrónica, que estava tatuado numa folha de papel da agenda antiga, algures entre duas letras cúmplices de uma noite de peito cheio.
O número, o número. E a voz que esteve por trás, para ele e durante tanto tempo vazia, abandonada, fria? Essa voz só não deixou de responder porque decorou outros números, que nunca deixaram de ser números, mas decorados como se fossem nomes.
Miguel Alves

Sem comentários: